Esse rabisco eu estava devendo para mim. Mas só quis fazê-lo agora, sem dramas ou baixo astral, na boa, de modo catártico, numa espécie de hora da virada. Que confesso para vocês que eu nem bem sabia se um dia iria acontecer. Talvez devesse ter confiado mais em Deus e no meu histórico de superação. As sequelas físicas foram ruins, mas os traumas psicológicos foram punks. Aí vai o cronista de nosocômios...
Isso aconteceu em março do ano passado. Lá estava eu, derrubado, no box do banheiro, com meu currículo de atleta e tudo. Buscava ar e ele não vinha, do jeitinho que o genocida imitou na TV. Lembram? Quem estava do meu lado viu. E me ajudou! Só que eu morri. Por 17 dias. Só não me perguntem como é o lado de lá. Decepção meus caros leitores, não me lembro de absolutamente nada. Branco total, memória apagada. Igual os computadores do Alvorada pós-eleição. Bom… eu prometi!
Renasci ainda chapado. Mesmo fora do coma, mas ainda na UTI, não sei o que foi verdade ou alucinação. A enfermeira bonita que encostava no meu rosto enquanto eu dormia. Os dois enfermeiros que tagarelavam enquanto um trocava o meu respirador e o outro a sonda da urina. Aliás eu detestava os dois, o respirador e a sonda. A reunião de pelo menos meia dúzia de médicos encapuzados em volta de mim falando coisas em javanês e me olhando como se eu fosse um ET. Talvez tivessem razão.
Naquele momento tudo parecia real, como meu desespero em ver o Xan ser abatido a tiros pelos seguranças do Nove de Julho quando tentava me resgatar, com sua moto voadora, do quinto andar do prédio. Eu tinha certeza de que era refém do hospital. Pode ser que até fosse, mas no terceiro subsolo. Andar blindado e isolado da UTI Covid. E o meu filho me garantiu que nunca andou de motocicleta voadora.
A bronca nos meus rebentos por não entrarem para me ver e ficarem conversando pela “janelinha” do estacionamento que, segundo minha moribunda concepção arquitetônica, ficava ao lado da UTI. Aquela que mal sabia eu ficava nas profundezas da batcaverna. Na verdade, eles estavam em casa e, por videoconferência, foi o primeiro "papo'' com o pai deles depois de 30 dias. Eles lembram de tudo que falei, eu só da "janelinha".
Eu me recordo é de ter falado com o Márcio, meu colega de BB, global officer, chique né!?, do Grupo Ímpar, controlador do hospital Nove de Julho, para negociar com o CEO do conglomerado a minha liberação do cativeiro da Peixoto Gomide. Vocês pensam que é fácil a vida de rabisqueiro, metido a cronista e poeta, na UTI? A usina não para!
Sim, foram muitas alucinações. Mas certas coisas de fato aconteceram. Como a minha queda da maca na porta do elevador da UTI. Enquanto o enfermeiro só virou as costas para mexer em não sei o que eu me levantei da maca, me apoiei nela, rodinhas destravadas, e caí sentado no chão. Ele de fato deu uma bobeada, mas nada que justificasse a admoestação que levou do hospital. Depois, já consciente, eu ouvi dele várias vezes que quase perdeu o emprego por minha causa. Zombetereismo dele à parte, aliás por isso eu o adorava, ele levou uma grande bronca dos meus “sequestradores”.
Depois desse episódio eu algumas vezes fui amarrado. Sim, pelos pulsos à grade da cama. Relaxem, com forte sedação associada. É procedimento padrão para refém inquieto. Aliás, isso deu origem a outra alucinação. Eles pensavam que me derrubavam com a sedação. Ledo engano, eu me lembro bem de ter falado para uma amiga do BB, que não sei o porquê apareceu, toda de branco, seca e penteada, na tela do meu monitor de sinais, para que ela pedisse aos caras para me desamarrar.
Outra “dura” da chefe, dela, levou a enfermeira que, já eu no quarto e consciente, me deixou ficar em pé sozinho, parado mesmo do lado da cama. Foi por insistência minha, bem-feito caí! Aliás ganhei com essas travessuras a pecha de irrequieto e rebelde. Olha que injustiça! Só faltava a Dona Genoveva ressuscitar ali também para falar “esse moleque tem bicho-carpinteiro”
Enfim, pro cabra que não tinha ar, morreu e ressuscitou barbarizando o nosocômio e depois, ao melhorar, não respirava sem aparelhos, não parava em pé, dormia com bota para neuropatia pós-covid, tomava banho sentado, usava fraldas e voltou a andar de andador, aquele troço pra colocar TV em cima, o que são os 18,4 minutos que o separam, provisoriamente, da sua melhor marca dos 10K? Oxi!
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