sábado, 2 de janeiro de 2016

OS POODLES, OS JUDEUS E O MINHOCÃO

Recentemente mudei de endereço residencial.  Isso sempre traz novidades e reflexões, até mesmo para um cigano contumaz. Pois, feitas as contas, em dezesseis anos a atual é a minha sétima alteração de domicilio.  Haja carreto. O mundo gira, a lusitana roda e... eu mudo. Aqui cabe uma legenda aos meus jovens leitores: a Lusitana era uma famosa transportadora especializada em atender cronistas nômades. Andiamo via!!!

Mas tenho a impressão que devo “sossegar o facho”. Aliás, ando com esse objetivo.  Em todos os sentidos. Mas voltando à casa nova, mudei para o “baixo” Higienópolis ou “altos” de Santa Cecília.  Agora é a vez de desenhar a piada para os não paulistas. Moro bem na divisa dos dois bairros, Higienópolis, luxuoso e valorizado, e Santa Cecília, este último, digamos assim, sem o mesmo luxo do reduto de FHC e  de outros “ilustres” paulistanos.

Da minha quadra para cima, sentido shopping Higienópolis, proliferam os quipás, os chapéus judeus ortodoxos, as vestes comportadas das mulheres e as tradicionais famílias judias, formadas, em geral,  pelo casal e dois filhos. Lá circulam, ainda, os poodles brancos, alvos tal qual a indumentária das babás, comuns na região. Entre prédios de alto padrão e padarias nababescas completam o cenário da região as academias de grife. E até algumas mais modestas, entre as quais uma delas este escrevinhador é assíduo frequentador. Afinal, malhar faz bem pra cabeça e até para o corpo também.

Já do meu quarteirão para baixo, rumo ao Minhocão - deste acho até que os europeus já ouviram falar - transitam, por assim dizer, uma casta mais modesta da sociedade paulistana.  E pensante e pulsante!  O lado artístico, descolado e intelectual da região. Assim como espreitam os três mil e quinhentos metros do famoso viaduto “Malufista” prédios cinzentos, feios e depreciados pela fumaça, o barulho e pela burrice das autoridades.

Mas creiam que o Minhocão é arte, não por obra do infeliz e desastrado projeto de quem o concebeu, mas sim pela capacidade de improviso, reinvenção, sobrevivência e adaptação do homem. Por afinidades, democráticas, intelectuais e atléticas,  por lá eu dou as caras. Correr é preciso. E na mistura do cheiro de maconha e similares, dos latidos dos vira-latas e do lazer de outros (sobre)viventes também sem pedigree, percebo que há vida inteligente e solidária que humaniza aquele estúpido monumento à priorização da máquina ao homem. 




9 comentários:

  1. O minhocão é ironicamente o retrato da democracia de São Paulo como você colocou muito bem na sua crônica, a mistura de pessoas na individualidade de cada um, BELO!

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  2. Adilson,amigo poeta que enxerga coisas que eu ,cega, não olho e não vejo.
    Crônica deliciosa de um pedaço de minha vida onde fui feliz ,infeliz,curiosa,trabalhadora e mais ....muito mais.Fui séria ,quase santa e danadinha .Acho que termino meus dias junto ao seu abrigo .Faz 40 anos que moro por aqui.Grata por essa crônica tão saborosa.

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  3. São muitos detalhes, particularidades que, na correria do dia a dia, vão passando despercebidos...assim como a vida. Parabéns Adilsão!

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  4. Gostei da crônica, queria seguir lendo....detalhes de lugares que, mesmo não conhecendo, andamos junto. Parabéns!

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  5. Casos as prioridades permaneçam, no futuro teremos uns cinco andares de ruas para os pilotos exibirem suas máquinas.

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  6. como sempre impecável Adilson , tomei a liberdade de compartilhar na minha página .

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  7. São Paulo é o centro mundial da "reinvenção"...

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  8. Cronica bem do estilo paulistano.Como sou paulistana, adorei!

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