sábado, 9 de fevereiro de 2013

O NOTÍCIAS POPULARES E O BOI DA CARA PRETA

Dia desses pela manhã, no desjejum, assistindo TV numa padaria, no caminho do batente, lembrei do Notícias Populares.  Em cinco minutos, enquanto ingeria minha mussarela fria, “na frança”, acompanhada de um amargo suco de laranja, fui informado de dois assassinatos, uma parada cardíaca, seguida de óbito, após implantação de silicone nos seios, uma chacina na periferia, um estupro e um sequestro relâmpago, todos anunciados pela simpática “âncora” do telejornal do bispo. 

Para o público infanto-juvenil que me acompanha eu preciso esclarecer: Notícias Populares, também conhecido simplesmente como NP, foi um jornal que circulou em São Paulo entre 15 de outubro de 1963 e 20 de janeiro de 2001 e era conhecido por suas manchetes violentas e sexuais. É considerado até hoje "sinônimo de crime, sexo e violência”. Seu slogan era "Nada mais que a verdade". 

Voltando para o balcão e para meus devaneios matinais, mais do que as notícias, infelizmente cotidianas, duas coisas me chamaram a atenção naquele cenário matutino: primeiro o ar grave e sério, mas com sorriso enigmático no canto da boca, da âncora televisiva, que navegava acima das desgraças que narrava, e depois a naturalidade com que todos na “padoka” alternavam movimentos de degustação com atentas esticadas de olho em direção ao aparelho de televisão. Era como se a média com pão e manteiga ficasse mais “saborosa” acompanhada por aquelas desventuras servidas à la carte.

Cigano, filosofei que “variar” tem um preço. Suspirei de saudades da elegância, classe e inteligência da Renata Vasconcellos, a bela carioca da Bella Paulista. Lembrei da minha TV, que, não por acaso, passa 362 dias e catorze horas por ano desligada. Recordei do rotineiro, mais simpático, café-com-leite-e-pão-com-manteiga-do-BB, senti falta até da Ana Maria Braga e de seu zombeteiro papagaio da Flor do Paraíso. Por fim, veio a minha memória as idéias de um professor “zen” duma dessas pós-graduações da vida que defendia o sagrado direito à não-informação. 

Exageros xiitas à parte, eu sai da padoka refletindo acerca da relação causa-efeito entre a violência e a sua glamourização. Segui pela avenida, lotada de batalhadores do dia-dia, elocubrando sobre o “ibope” que se dá para malandros, desocupados e criminosos e para os boçais e oportunistas que os transformam em “celebridades”.  Sobre o estranho fetiche que as pessoas têm de acompanhar a desgraça alheia, via satélite. Imaginando que o finado Notícias Populares, que diziam que quando amassado jorrava sangue, diante dos atuais noticiários e programas “jornalísticos” não passaria de um inofensivo e divertido livro de estória infantil. 

7 comentários:

  1. Prezado Adilson,
    Meu saudoso Pai, como bom policial que era e fanatico torcedor do Sao Paulo Futebol Clube, nao deixava de ler o Noticias Populares e a Gazeta Esportiva, sequer um dia. Alias, aprendi com ele, o saudavel habito da leitura de jornais.
    Curiosa como sempre fui, nao perdia a oportunidade de passar os olhos por esses dois jornais. O que mais me impressionava era frieza com a qual os reporteres do NP traduziam os acontecimentos sanguinolentos e tragicos do dia anterior, porque naquela epoca, nao havia internet, para buscarmos a noticia on line.
    Certa vez, meu pai me levou aa redacao do NP, onde conversou com um amigo, que por sinal era um dos reporteres policiais, que davam plantao frequentemente no antigo DEIC. Era uma confusao de gente com o telefone ao ouvido, cigarro no canto da boca e datilografando o resumo de alguma ocorrencia. Parecia ateh censrio de filme "noir'.
    Subitamente, o amigo do meu pai levantou-se de sua cadeira, pegou um bloco de anotacoes, chamou o fotografo e despediu-se rapidamente, porque alguma tragedia do crime o esperava do lafo de fora da redacao. Fiquei fascinada com aquele ambiente! Mas para ser reporter policial, tem que ter sangue de barata.
    Hoje, se espremessemos o NP, sairia soro caseiro ao inves de sangue, frente aos acontecimentos atuais.

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  2. Também tenho saudades do Noticias Populares. hoje ele seria realmente apenas "histórias infantis".

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  3. Caro Gallucci, preocupante é como bem observou e narrou que o desjejum sob imagens e falas que explicitam tão somente a violência não altera mais o apetite... em todas as circunstâncias possíveis as imagens da crueldade e do descuido/descaso humanos não salivam nos palatos espalhados aos arredores dos balcões de padarias pela manhã.O glamour da violência angaria patrocínio, que paga a âncora desavisada. Então quer dizer que o sabor de toda essa selvageria urbana periódica não atinge o paladar cotidiano, logo possivelmente não salivará no pensamento pela solidariedade em favor da expectativa de um mundo menos doloroso. Alenta-me que você dedique tempo e energia ao refletir sobre essa verdade e nos provocar inteligentemente nesse BLOG... Obrigado pelo convite e pelo espaço aromaticamente filosófico mesmo sob o imaginário odor de "Sangue e Pólvora".

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  4. Meu caro filósofo você é sempre bem vindo. abs

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  5. Fantástico Adilson! Conseguir ler daqui, em frente à praia....muito bom!

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  6. Pois é meu querido, atualmente a tagédia tem se tornado algo rotineiro.... infelizmente. Bjos Dri

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