sábado, 21 de maio de 2016

RECOMEÇO

Nenhum pálido festejo a ser celebrado
Eis o retrato em preto e branco de um tempo deserdado
No qual sobejam explicações e faltam motivos
Gestos contidos, sorrisos encenados e pouco intuitivos

Expira-se o homem incompreendido
Passa o tempo sem ser vivido
revira-se o baú em busca de um alento
que torne sonho o que parece tormento

Que válido seja esse devaneio à forceps parido
nem que seja para inspirar versos que lhe deem sentido
Que permitam que essa ansiedade repouse serena
na beleza inquieta de uma pele morena

Que na vida e na arte o caminho mais uma vez refeito
seja ainda que imperfeito a chance de recomeço  
sobrevida e transformação de quem sempre mutante
encontra nas mudanças a razão ainda que mesmo distante

sábado, 2 de janeiro de 2016

OS POODLES, OS JUDEUS E O MINHOCÃO

Recentemente mudei de endereço residencial.  Isso sempre traz novidades e reflexões, até mesmo para um cigano contumaz. Pois, feitas as contas, em dezesseis anos a atual é a minha sétima alteração de domicilio.  Haja carreto. O mundo gira, a lusitana roda e... eu mudo. Aqui cabe uma legenda aos meus jovens leitores: a Lusitana era uma famosa transportadora especializada em atender cronistas nômades. Andiamo via!!!

Mas tenho a impressão que devo “sossegar o facho”. Aliás, ando com esse objetivo.  Em todos os sentidos. Mas voltando à casa nova, mudei para o “baixo” Higienópolis ou “altos” de Santa Cecília.  Agora é a vez de desenhar a piada para os não paulistas. Moro bem na divisa dos dois bairros, Higienópolis, luxuoso e valorizado, e Santa Cecília, este último, digamos assim, sem o mesmo luxo do reduto de FHC e  de outros “ilustres” paulistanos.

Da minha quadra para cima, sentido shopping Higienópolis, proliferam os quipás, os chapéus judeus ortodoxos, as vestes comportadas das mulheres e as tradicionais famílias judias, formadas, em geral,  pelo casal e dois filhos. Lá circulam, ainda, os poodles brancos, alvos tal qual a indumentária das babás, comuns na região. Entre prédios de alto padrão e padarias nababescas completam o cenário da região as academias de grife. E até algumas mais modestas, entre as quais uma delas este escrevinhador é assíduo frequentador. Afinal, malhar faz bem pra cabeça e até para o corpo também.

Já do meu quarteirão para baixo, rumo ao Minhocão - deste acho até que os europeus já ouviram falar - transitam, por assim dizer, uma casta mais modesta da sociedade paulistana.  E pensante e pulsante!  O lado artístico, descolado e intelectual da região. Assim como espreitam os três mil e quinhentos metros do famoso viaduto “Malufista” prédios cinzentos, feios e depreciados pela fumaça, o barulho e pela burrice das autoridades.

Mas creiam que o Minhocão é arte, não por obra do infeliz e desastrado projeto de quem o concebeu, mas sim pela capacidade de improviso, reinvenção, sobrevivência e adaptação do homem. Por afinidades, democráticas, intelectuais e atléticas,  por lá eu dou as caras. Correr é preciso. E na mistura do cheiro de maconha e similares, dos latidos dos vira-latas e do lazer de outros (sobre)viventes também sem pedigree, percebo que há vida inteligente e solidária que humaniza aquele estúpido monumento à priorização da máquina ao homem.